quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Dois mil e seis

Dez da manhã. Entro no ginásio e a senhora da recepção sorri-me. «Sabe, só hoje é que dei conta que me enganei a preencher os seus dados!», disse-me com vivacidade. Olhei-a surpreendida. Já frequento o ginásio desde 2004. «Escrevi mal a sua data de nascimento! Ou melhor, o ano em que nasceu...!», continuou com o mesmo sorriso aberto. «Sim?!...e deu-me mais idade ou menos?» perguntei com a curiosidade aguçada de quem chega aos trinta. «Nem imagina! Por mim, você ainda nem nasceu!!! Vai nascer este ano! Nasce em 2006!». Olhei-a como quem vê um segredo ser revelado. Quase lhe gritei «chiu, fale baixo, não vê que isso não se pode dizer assim, em qualquer lado?!», mas não gritei, sorri-lhe de volta e pensei quase em plágio: «admirável mundo este... o dos números».

Cento e Vinte e Sete

Fiz um número contigo. Foi dias depois de ter recebido a minha primeira carta sem texto. Uma permissão para te conduzir. Para me conduzires à liberdade ou até mesmo às noites de amor dentro de ti. Recordo com um sorriso, agora com um sorriso, aquelas em que no Inverno adormecias em frente ao mar. Aquelas em que me obrigavas a ir embora a pé. Voltava sempre na manhã seguinte e só te acordava com um choque eléctrico. Para mim, foste sempre mais do que um número de referência de uma marca. 127, chamaram-te. E ainda te chamam. Conheceste de perto as minhas mulheres, os meus vícios, a minha dor, os meus caminhos. Testemunha da minha pressa: de vida, novidade, ou reencontro. Voltei a ti por instantes. Para me recordar de mim.

segunda-feira, 27 de novembro de 2006

Um




Tinha pensado escrever sobre números. Mais concretamente, sobre o número 100. Por uma questão de lógica de blog. Com cem letras. Sem rodeios. Mas com a chuva a desenhar barcos na minha janela e o aroma quente do chá de tília a fervilhar-me na memória, apenas me apetece escrever sobre ti. Sobre as tuas mãos velhas pousadas no jornal de ontem, os teus olhos embriagados num azul fundo, a tua boca num sorriso tímido à espera de vida. Do lado de fora da minha janela está a chover. Chove muito. Cá dentro baila-se ao som de teclas de computador, num vicio de corpos entre letras. Num desassossego de destinos.

Quanto a números, que me desculpe o 100, mas esta noite só me consigo lembrar do 1 : de ti.

100

Sem? Não. Cem. Com muitas. Letras